TJSP negou retirar vídeos do Mundo Canibal do ar, mas entendeu ser cabível indenização em ação movida por Defensoria.
A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou autores de animações com mensagens transfóbicas, homofóbicas e machistas, do canal Mundo Canibal, a indenizarem em R$ 80 mil por danos morais coletivos. O valor deverá ser revertido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que ajuizou a ação civil pública, em política de ações afirmativas para promover a igualdade e o combate às diferentes forma de discriminação. Leia a íntegra do acórdão.
O colegiado, por outro lado, não concordou com o pedido para retirar do ar o conteúdo, publicado em redes sociais, pois isso configuraria censura. Por unanimidade, foi provido parcialmente um recurso da Defensoria, que havia tido seu pedido negado em 1ª instância em 2017 pelo juiz Guilherme Madeira Dezem para retirar os vídeos do ar e para obter indenização por danos morais.
O Mundo Canibal dos Irmãos Piologo |
Um dos vídeos, intitulado “Piripaque”, se inicia com os seguintes dizeres: “Olhe, cara, sabe aquelas situações em que você SABE o que quer fazer, mas não tem CORAGEM de fazer?” São então mostradas as seguintes situações: personagem dá um soco na barriga de sua namorada gestante, provocando um aborto; filho que “vomita” fogo e mata sua mãe queimada após ela confessar o seu ofício de prostituta; pai que, de arma em punho, atira no estômago do filho e em sua cabeça, disparando, ainda, aos risos, diversos outros tiros em seu corpo, fazendo-o sangrar copiosamente, após descobrir-lhe homossexual.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, em parecer, defendeu que o “humor” do vídeo “decorre da identificação: somente quem compartilha do desejo de realizar tais atos de violência, ou que os entendam no seu íntimo, como naturais, diante das situações narradas” irá achar graça no material. “O vídeo reforça machismo e homofobia e ainda naturaliza atos de violência contra minorias, tratando-os como se integrassem o inconsciente coletivo, como se as violências retratadas constituíssem desejos reprimidos, mas existentes em todos nós, bastando um remedinho para liberá-los”, disse o MPSP.
Em seu voto, a desembargadora-relatora Clara Maria Araújo Xavier diz que “em uma sociedade desigual, na qual existe a disparidade entre grupos sociais, é comum que o grupo supostamente dominante naturalize a situação marginalizada da minoria e ache ‘graça’ em situações nas quais há uma clara violação de normas, sejam elas sociais, linguísticas, morais ou de dignidade pessoal. Tais violações, aliás, muitas das vezes são tidas como benignas e inofensivas, seja pela distância psicológica do espectador/criador com a norma violada, seja pelo pouco ou nenhum comprometimento desse mesmo espectador/criador com referida norma”.
“De todo modo, importante salientar que a ferramenta do ‘riso’, – tão enaltecida pelos requeridos em sua contestação, e, obviamente, tão desejada por quem tem o humor como ofício – não tem, por si só, o condão de escusar ou mesmo de minimizar discursos excessivos, muitas vezes revestidos de caráter discriminatório e excludente de direitos, independentemente de serem eles considerados ou não discursos de ódio”, continua a desembargadora.
Por isso, em sua visão, a indenização por danos morais é devida. Já o pedido de retirada do ar dos conteúdos não pode prosperar, porque não há o explícito cometimento de crime, e a liberdade de expressão deve prevalecer.
“Analisando os conteúdos produzidos pelos requeridos – e por mais que, ao senso crítico desta julgadora, sejam eles absolutamente repulsivos, toscos e grotescos – compartilho do entendimento externado pelo julgador a quo no sentido de que o Estado-juiz não pode, de fato, impedir a sua livre circulação, removendo-os da rede mundial de computadores. Isso porque não se pode ignorar, pelos motivos bem expostos na r. sentença, que o objeto do litígio se encontra mesmo em linha limítrofe, não havendo o claro cometimento de crime por parte dos réus, “nem mesmo na questionável figura jurídica da apologia ao crime”, disse.
E continua: “Forçoso reconhecer que pleitos objetivando a proibição da veiculação de manifestações artísticas que, a princípio, teriam ofendido terceiros, soam – salvo naqueles casos excepcionais de patente desproporcionalidade no ingresso dos direitos de personalidade – um tanto quanto temerários, seja porque não se pode judicializar a arte (uma vez que o exercício da atividade jurisdicional não se destina à crítica artística), seja porque a solução encontrada pela Constituição Federal para o suposto abuso da liberdade de expressão é aplicado a posteriori, mediante indenização e eventual responsabilização criminal do artista”.
Por fim, condena apenas Rodrigo, Ricardo, Rogério e Fábrica de Quadrinhos Núcleo de Artes S/C LTDA ao pagamento de R$ 80 mil em danos morais coletivos.
A ação tramita com o número 1059191-91.2016.8.26.0100.
Fonte: Jota.Info