O Procon de Juiz de Fora (MG) abriu um processo administrativo contra o Google para investigar o caso do fim do drive ilimitado do Workspace for Education para as universidades. A entidade suspeita que a gigante da tecnologia pode ter ferido os direitos dos consumidores.
A denúncia ao Procon foi feita pelo professor aposentado Paulo Vilela da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz Fora (UFJF). Ele foi administrador de um dos domínios da plataforma na universidade e atualmente é consultor da instituição. Em conversa, ele salienta que é usuário da ferramenta desde 2007 e que fez todo o procedimento técnico para que a UFJF utilizasse o sistema.
Depois
de vários anos com armazenamento de arquivos ilimitados sendo oferecido e
tendo uma publicidade até mesmo pelo Google, no ano passado a companhia
afirmou que o serviço mudaria. Em comunicado que foi enviado às
universidades, o Google explicava que ao invés de um Drive
ilimitado, cada instituição de ensino teria, a partir de julho de 2022,
100 TB para distribuir entre alunos, professores e comunidade acadêmica
em geral.
“O anúncio nos pegou de surpresa porque não pensávamos que um dia o armazenamento ilimitado poderia ser encerrado. O Google não nos informou sobre isso e o serviço não tinha nenhum asterisco dizendo sobre essa possibilidade. E nós achamos ruim a decisão porque ela vai impactar todo o uso da ferramenta e vai afetar um recurso que é vital para as universidades, já que são muitos os dados armazenados em nuvem”, argumenta.
"[...] não pensávamos que
um dia o armazenamento ilimitado poderia ser encerrado. O Google não
nos informou sobre isso e o serviço não tinha nenhum asterisco dizendo
sobre essa possibilidade."
Vilela conta que a UFJF tem 14 mil usuários com acesso ao Drive e que o montante de dados armazenados gira em torno de 700 TB. Ou seja, antes de julho de 2022 a universidade teria que apagar 600 TB para se adequar às novas regras.
Fazendo uma conta rápida, a partir de julho deste ano, cada usuário da Federal de Juiz de Fora terá cerca de 7 GB (em média) para armazenar seus arquivos, enquanto atualmente eles usam (cada um) cerca de 50 GB (em média). Ou seja, cada pessoa precisa apagar aproximadamente 43 GB de arquivos para se enquadrar na nova métrica.
Além de considerar o novo espaço de 7 GB por pessoa insuficiente, já que segundo ele com a pandemia o número de arquivos aumentou ainda mais, o professor elencou outros motivos que o fizeram procurar o Procon.
A denúncia
O
docente afirma que considerou que a decisão do Google feriu os direitos
da comunidade acadêmica porque, dentre outras coisas, ela prevê
serviços pagos caso uma instituição de ensino queira aumentar o limite
de 100 TB.
“O Google usou da prerrogativa que o serviço era de graça e entrou nas universidades com essa condição, já que se fosse pago ele teria que concorrer em uma licitação e esse é um processo bem mais burocrático. Agora que as universidades ficaram dependentes do sistema, a empresa quer cobrar pelo serviço, sendo que é impossível que elas arquem com esses valores, já que os investimentos públicos na educação e ciência têm caído cada vez mais”.
"Agora que as universidades ficaram dependentes do sistema [de armazenamento em nuvem], a empresa quer cobrar pelo serviço".
Vilela também reclama do problema prático que o anúncio do Google gerou. Ele afirma que as universidades ainda não sabem como irão pedir aos usuários do Workspace for Education para apagar as informações. Os administradores estão confusos se será preciso privilegiar algum tipo de usuário em detrimento de outro, o que fazer em caso de uma negativa de apagamento das informações e etc.
“O Google adotou um modelo de negócio já prevendo que as pessoas iam
ter mais arquivos ao passar dos anos e que assim a empresa poderia
vender mais espaço na nuvem. Eu entendo que como esse foi um problema
que não foi criado pela gente, já que eles chegaram a incentivar o uso
ilimitado, eles não podem transferir para as universidades a
responsabilidade de ter que pedir para que os alunos apaguem seus
arquivos. Isso pode gerar até um problema institucional”.
Vilela
também argumenta ter encarado a medida do Google como retroativa, já que
ela exige o apagamento de dados que já foram armazenados anteriormente.
Além disso, diz que ao passar dos anos, o espaço para cada usuário
diminuirá, já que de tempos em tempos a universidade recebe calouros e
novos profissionais.
Na denúncia ao Procon, o professor juntou capturas de tela e publicações no blog oficial do Google Brasil anunciando o espaço ilimitado. “Hoje, anunciamos o Drive for Education, a mochila do século 21 que vem com armazenamento ilimitado, sistema super-seguro e é de graça”, diz um trecho de uma publicação de 30 de setembro de 2014.
Na parte abaixo, é informado o seguinte sobre a novidade de
armazenamento ilimitado: “Chega de se preocupar com a quantidade de
espaço disponível ou com quais usuários precisam de mais gigabytes. O
Drive for Education suporta arquivos individuais de até 5 terabytes de
tamanho e será disponibilizado nas próximas semanas”.
Por causa da
situação toda, e mesmo a quatro meses da nova regra entrar em vigor, o
professor comenta que recomendou para que os universitários não façam
nada com os seus arquivos por enquanto. “Eu acredito que quem tem acesso
ao serviço não tem como fazer nada por enquanto. As pessoas armazenaram
fotos da vida, vídeos, documentos acadêmicos e eu não posso falar o que
elas devem fazer com esses dados”, disse.
Ele reclama, ainda, de como as chamadas "big techs" acabam criando uma dependência por parte dos usuários de seus serviços e defende que regras como a Digital Markets Act (DMA), que está prestes a ser aprovada na Europa, deveriam chegar ao Brasil.
Troca de e-mails
Antes
de procurar o Procon, porém, o professor Paulo Vilela comenta que
chegou a entrar em contato com o Google para negociar uma saída melhor
para a situação. Um acesso a uma troca de e-mails entre o professor e a empresa onde toda a questão foi debatida.
Na primeira mensagem virtual, o Google explica que o Drive ilimitado será encerrado e substituído por um novo sistema de armazenamento em pool (Storage Pool) que destinará os 100 TB de espaço na nuvem para cada instituição de ensino. “É armazenamento suficiente para mais de 100 milhões de documentos, 8 milhões de apresentações e 400 mil horas de vídeo”, diz trecho de um e-mail enviado em 18 de fevereiro de 2021.
Logo em seguida, o professor responde elencando o impacto que a medida terá na universidade, incluindo a explicação de que há usuários que utilizam o serviço do Google desde 2007, há 15 anos. Depois disso, o acadêmico lembra da publicidade do próprio Google de que o armazenamento não teria limites.
“Sempre acreditamos na palavra do Google e divulgamos que nenhum usuário precisaria se preocupar com o espaço de armazenamento pois era ilimitado. Fizemos propaganda disso quando defendemos a plataforma Google frente a outras”, argumentou o professor.
Na troca de
mensagens, que durou alguns meses e incluiu até mesmo reuniões entre
Vilela e executivos do Google, o professor lembrou que o serviço é
importante para realizar o acompanhamento de alunos egressos da
universidade pública, por exemplo, e que em 2014 a empresa chegou a
sugerir um limite de armazenamento no serviço, mas voltou atrás e
anunciou um tempo depois o armazenamento ilimitado.
No final do ano passado, após tentar sem sucesso marcar uma reunião envolvendo representantes da UFJF e o diretor do Workspace for Education na América Latina, o Google retornou até o professor com uma proposta.
“Levando em consideração nosso histórico com a UFJF, conseguimos
aprovar internamente, com nosso time global de Google for Education, uma
exceção para a nossa política de armazenamento aplicável ao domínio
[...] Mediante o aceite da universidade, nossa política de armazenamento
ilimitado para os usuários do domínio educacional será estendida até o
final de 2022”, ofereceu um dirigente da companhia.
“Eu não
respondi até hoje esse e-mail que foi enviado em novembro de 2021.
Porque se eu responder fica claro que estou aceitando o encerramento do
armazenamento ilimitado. E se eu aceitar a proposta, estou dizendo que
no ano que vem podem cancelar o armazenamento ilimitado, e não é isso
que eu quero e estou defendendo”, afirma o professor.
Mesmo que a
denúncia seja julgada improcedente no Procon, Vilela conta que vai
transformar o caso em uma ação coletiva e que já tem cerca de 30 pessoas
da comunidade acadêmica para falar sobre a situação.
O caso no Procon
Em conversa com Eduardo Floriano, que é superintendente do Procon de Juiz
de Fora. Ele pontua que foi instaurada uma investigação preliminar e
que depois disso a entidade enxergou que seria preciso abrir um processo
administrativo, já que a primeira manifestação da empresa não foi
considerada suficiente para encerrar o caso.
“Quando recebemos a denúncia, vimos a necessidade de pedir documentos para a empresa. Durante a fase inicial nós coletamos provas e agora no processo administrativo é como se fosse um inquérito penal. Nós entendemos que pode ter havido uma violação de normas e, por isso, solicitamos que a empresa apresente uma defesa”, explica.
O superintendente afirma
que a notificação para que o Google apresentasse a defesa foi enviada na
semana passada e a investigada deve apresentar um posicionamento em até
10 dias, prazo que se encerra até o final desta semana.
Floriano afirma que a denúncia do professor aponta, por exemplo, que foi criada uma expectativa de que o Drive ilimitado no Workspace for Education seria utilizado para sempre e que após o anúncio de que isso não aconteceria, houve uma frustração.
“O Procon só decide se aplica ou não uma penalização após a resposta da empresa. Se ela não responder, ela pode ser penalizada duas vezes, pela falta de resposta e também porque nós julgamos que ela infringiu os direitos dos consumidores. Também pode acontecer de após a apresentação da defesa, o Procon entender que não é preciso aplicar nenhuma penalização”, diz Floriano.
Se aplicada, a multa leva em consideração a capacidade econômica do empreendimento. Por isso, o Procon também pede que a investigada apresente um documento apontando o faturamento.
Outro lado
Tivemos
acesso à defesa do Google na fase de investigação preliminar do Procon
de Juiz de Fora. No documento, a empresa se defende dizendo que não
violou o Código de Defesa do Consumidor e que as alterações no Workspace
for Education “estão em conformidade com os termos do Contrato de
Prestação de Serviço firmado com os usuários”.
O Google afirma que foi obrigado a adotar um novo critério porque com o passar dos anos, houve um “aumento exponencial” da demanda pelo armazenamento e que isso fez com que empresa repensasse como estava oferecendo o serviço.
“Ainda
assim, a Google não ignora que esse espaço de armazenamento de 100 TB
pode não ser suficiente para todas as estruturas. Por isso, de acordo
com a nova política de armazenamento do Workspace, instituições com mais
de 20 mil alunos, professores e funcionários ou 20 mil usuários ativos
por mês poderão receber espaço de armazenamento adicional”, se defendeu a
companhia.
No restante, a marca lembra ainda que as entidades que aderem ao Workspace for Education aderem também um contrato, e que esse contrato passou por mudanças durante os anos por causa “da própria evolução do produto e do cenário tecnológico nacional”. Anteriormente, a companhia já havia justificado que a decisão de encerrar o Drive ilimitado afetaria todos os países e não somente o Brasil.
A reportagem também entrou em contato com o Google para verificar mais detalhes sobre o caso. A empresa afirmou, por nota, que ainda não foi notificada sobre o processo administrativo aberto pelo Procon e que já respondeu ao ofício da investigação preliminar instaurada pelo órgão (como aponta a defesa citada nos parágrafos acima). “De todo modo, quando tiver acesso aos autos, prestaremos os esclarecimentos necessários ao Procon”, salienta.
Além do mais, a marca pontua que os clientes inscritos no Workspace for Education a partir de 2022 já entram no novo modelo de armazenamento de 100 TB por instituição e que os clientes antigos tiveram mais de 16 meses para se adequar às novas regras.
“O Google estima que mais de 99% das instituições estejam dentro do limite estabelecido na nova política [...] As instituições que necessitarem de mais espaço de armazenamento poderão escolher o plano que melhor se adeque à sua realidade por meio de contratação paga (via licitação ou contratação privada, a depender da natureza da instituição)”.
Questionada sobre as ações que está tomando para
ajudar as universidades a se adequarem ao novo sistema, a empresa
defende que disponibilizou ferramentas de gestão de espaço para “ajudar a
identificar e gerir o uso e a alocação do armazenamento”.
Fonte:
Vovo GaTu
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